Alô Ministério Público e MPL: "greve" de ônibus com cara de locaute

Então vamos lá. Diante dos acontecimentos e do caos na cidade, não custa fazer algumas associações. 

O "protesto" de funcionários de ônibus, com ações marcadas por certa violência (atravessar ônibus no meio da rua, mandar passageiros descerem, por exemplo), tem um aspecto muito estranho: não são legitimadas pelo sindicato da categoria, que havia conquistado um bom acordo com as empresas sobre aumento salarial. Ele previa um aumento de 10%, mais um tíquete mensal de R$ 445,50 e uma participação nos lucros de R$ 850 (leia aqui).

Os protestos se restringem, estranhamente, a funcionários de algumas poucas empresas.

O sindicato mostra-se atônito, e se diz "surpreendido" pelos protestos. Ou seja, não sabia de nada, fugiu de seu controle, e a ação abrangendo não uma, mas várias empresas, parece ter quebrado sua representatividade. 

Porém, com quem as empresas poderiam negociar outro acordo, se os manifestantes não respondem ao sindicato? Os funcionários dessas empresas seriam assim tão organizados para estruturar uma onda de protestos que paralisa a cidade, passando por cima da organização sindical? Se houvesse um racha tão profundo no sindicato, não teríamos ouvido ecos antes?

Não é incomum, na história política, ações de provocação, com paralisações insufladas pela direção de empresas poderosas, que geram instabilidade, para mostrar força e capacidade de pressão. Em suma, para botar o poder público contra a parede. No Chile, em 1973, antes do golpe de Pinochet, ficou famoso o locaute dos caminhoneiros, insuflados pelos patrões e grandes grupos econômicos (e, soube-se depois, pela CIA), que paralisou o país, extremamente dependente do transporte rodoviário.

Pois bem, qual a situação que temos hoje em São Paulo? Primeiro, um setor extremamente poderoso, o das empresas de ônibus.

Segundo, uma série de fatores que, na esteira das mudanças que estão sendo implementadas pela Prefeitura, certamente devem incomodar o setor, ou pelo menos parte dele. 

O reajuste de tarifas está suspenso, após as manifestações de junho, em parte porque as licitações que estavam em andamento foram canceladas pela prefeitura, para serem refeitas.

As contas do transporte de São Paulo foram submetidas, pela primeira vez, a uma auditoria externa, que está sendo realizada.

o Conselho Municipal de Transportes, uma consequência vitoriosa das manifestações de junho de 2013, foi criado de maneira participativa e começa a trabalhar.

A melhora no sistema informatizado embarcado, como os GPS nos ônibus, vem aumentando a capacidade de controle e a cobrança da prefeitura quanto ao cumprimento de horários, quebrando uma velha prática de "segurar" ônibus no pátio para economizar.

Não é pouca coisa. O suficiente para deixar muita gente poderosa insatisfeita.

Fazer  um locaute no sistema e instaurar o caos na cidade, um caos sem controle e estranhamente autônomo em relação à representação legítima da categoria, pode ser eventualmente uma forma de pressionar a prefeitura.

Estranhamente, a PM que é muito ágil para jogar bombas de gás nos usuários insatisfeitos, não aparece para garantir que os motoristas que estão saindo das garagens não sejam impedidos de fazê-lo, e que passageiros não sejam obrigados a descer dos ônibus no meio do trajeto.

Não estou aqui acusando ninguém de nada. Apenas juntando os pontos.

Como resultado, seria urgente:

- que o Ministério Público abrisse uma investigação sobre o caso. Não temos nada contra o MP querer disciplinar os táxis nos corredores, mas digamos que, se ele está preocupado com a questão dos transportes, neste caso, uma investigação sobre os acontecimentos, suas origens e quem o controla parece mais necessária do que nunca.

- que o Movimento Passe Livre, o MPL, que foi combativo nas manifestações por um sistema público gratuito de transporte e pela criação do Conselho Municipal de Transporte, se manifestasse a respeito, para dar salvaguarda às ações de moralização do setor por parte da Prefeitura, acima apontadas.

- que os empresários de ônibus, por meio de seu sindicato SPUrbanuss, para o bem da sua imagem e para deixar claro que trabalha para o bem da cidade, se manifestasse claramente sobre a questão, e abrisse também sindicância para investigar o ocorrido.

- que o Sindicato dos Motoristas fizesse o mesmo.

É importante neste momento em que se tenta claramente instaurar uma situação de caos, apesar de um acordo sindical positivo, que a população possa perceber as possíveis manobras políticas que se escondem por trás disso tudo.

 

Leia aqui notícia de Paulo Henrique Amorim, no mesmo sentido.

Atualização: o MPL soltou uma note, de apoio incondicional aos grevistas. Uma pena, pois não deve ser por ingenuidade a postura simplista de total apoio à greve e à luta dos trabalhadores, sem maiores discussões. Os dados comentados abaixo, sobre as falas dos motoristas, aumentam a estranheza dos fatos.

Atualização 2: O MP abriu dois inquéritos. Porém, foca mais a inação da PM do que a investigação das empresas de ônibus em si. Como coloca o Clestão em comentário abaixo, não houve sequer depredação de ônibus, normalmente a primeira ação (lamentável) nessas ocasiões. No caso, nenhum dano ao patrimônio das empresas, e falas idênticas, parecendo decoradas, dos motoristas parados quanto aos números e dados de suas reivindicações, em divergência com o sindicato. Estranho para quem parou de maneira "espontânea", sem mesmo se organizar para isso, aparecer com um discurso tão afinado.