sobre a questão dos táxis nos corredores: o MP precisa corrigir a mira

A questão dos táxis nos corredores foi assunto estes dias, e está gerando, como sempre, grande e proposital confusão, da qual, "coincidentemente", a prefeitura sai perdedora.

Vale notar, antes de tudo, que ao contrário do que alardeia a mídia conservadora anti-Haddad, não é bem a prefeitura que está, neste momento, tirando os táxis dos corredores. Quem pressiona Haddad a fazer isso, dando-lhe até um prazo antes de entrar na justiça, é o Ministério Público, fato que os jornalistas, evidentemente omitem.

O caso do Reynaldo Azevedo é engraçado: em um primeiro artigo, no dia 16 (clique aqui), de superficialidade total, ataca duramente a prefeitura "incompetente", com todo seu conhecimento técnico a respeito: "Seus “especialistas” [da prefeitura] querem agora proibir a circulação de táxis nos corredores de ônibus, o que levará a ainda mais carros na rua, como pode deduzir qualquer ser lógico". Omite o papel do MP. Vendo que sua própria dedução lógica fora apressada, ontem, dia 17, publicou novo texto bem diferente do primeiro, e "lembrou" de falar do MP (clique aqui): "A administração do petista Fernando Haddad em São Paulo ganhou nesta terça-feira um presente {...}. O Ministério Público Estadual decidiu cobrar da prefeitura a revogação da portaria que libera a circulação de táxis com passageiros nos corredores exclusivos de ônibus". 

É claro que, no princípio, o MP está correto: se a perspectiva é de que os táxis atrapalham o bom funcionamento dos corredores, e que estamos em um momento de dar prioridade total a estes últimos, os táxis devem ser retirados. A própria prefeitura vem observando isso, e fez estudos que, supostamente (tenho sempre muitas dúvidas na exatidão dos modelos matemáticos que calculam essas hipóteses urbanísticas), mostram que sem os táxis haveria um aumento de 28% na velocidade dos ônibus.

Ocorre que há aí uma questão de timing. A implantação das faixas exclusivas é um processo impactante, que afeta diretamente os 20% (só isso) de paulistanos que usam o carro. Todo processo de mudança como esse é portanto vivamente contestado pelos setores de classe-média, como ocorreu em todas as cidades que hoje são festejadas como modelos de mobilidade. O prefeito mais popular da história de Paris, Bertrand Delanoë, passou por maus bocados junto aos conservadores de lá, quando impôs os corredores que, hoje, se somam a um dos metrôs mais eficazes do mundo.

Por isso, deve ser um processo homeopático. Algumas coisas são necessariamente urgentes (a implementação das faixas), outras podem ser mais perenes, como a retirada dos táxis. A prefeitura, sabendo disso, e da impopularidade da decisão, ainda está hesitante em tomá-la de imediato. Pode deixar para mais tarde, para quando ela for efetivamente necessária. Agora, o Ministério Público quer apressá-la. Na visão do Reynaldo Azevedo, isso é bom para a prefeitura, já que "a pressão do MP tira da prefeitura o ônus do enfrentamento com os taxistas". Na minha visão, essa pressão trabalha contra a prefeitura, retira-lhe a liberdade da decisão do melhor momento para aplicação de sua política, e alimenta o fogo cerrado dos conservadores contra a gestão Haddad.

A questão não é tão urgente, pois por ora há outras mais prementes, como, por exemplo, ampliar a oferta de ônibus nos corredores, estruturar o sistema de linhas, criar linhas exclusivas para os corredores, efetivar o acompanhamento GPS online dos ônibus e garantir os horários, exigir a rápida modernização dos veículos, com a obrigatoriedade de ar condicionado e de acessibilidade a deficientes, melhor fiscalização dos motoristas e respeito aos limites de velocidade e ao conforto dos passageiros, etc. Essas medidas estão sendo tomadas, mas enquanto não começarem a surtir efeito real, parece exagero querer tirar os táxis dos corredores. Por enquanto, os taxistas estão com a razão, a ação parece mais punitiva (a eles) do que qualquer outra coisa.

O trânsito de São Paulo AINDA é caótico e colapsado (o que tenderá a deixar de ser à medida que a opção pelo transporte público se consolide), e o sistema de ônibus, que vai ficando mais eficiente, ainda não atingiu o nível de excelência que poderá permitir à prefeitura exigências ainda mais radicais de retirada dos carros. Se há alguma coisa razoável na argumentação dos usuários de carros contrários às mudanças, é a de exigir um transporte público de maior qualidade que incentive a mudança de modal. Isso vai demorar, e todos deverão fazer algum sacrifício. Ainda assim, há uma equação pela qual em algum momento o nível de qualidade oferecido pelo ônibus, ainda que não seja ótimo, já legitima amplamente a opção de deixar o carro em casa. A retirada dos táxis, por enquanto, pesa pouco nessa equação.

Por isso, o MP erra o timing nesta questão. Defende um princípio corretíssimo de defesa da política pública mais ampla de prioridade absoluta aos transportes públicos. Mas ao atacar um ponto sensível no meio do processo, pode estar na prática ajudando a desmoralizá-la. Mais útil seria ele impor prazos para que ônibus rápidos, modernos, bi ou tri-articulados, exclusivos para os corredores e faixas, comecem a circular.  Daí ficará difícil alguém, até mesmo os taxistas, argumentarem contra a retirada de seus veículos das faixas, pois tornar-se-à uma simples questão de segurança. Ninguém ia gostar de ver um táxi sendo abalroado por um ônibus lançado em velocidade nos corredores. Por enquanto, deixemos os táxis onde estão.