Golpismo barato não combina com lucro

A redemocratização brasileira passa por um momento delicado: quando os habitués da republica das bananas que o país já foi - ou seja, setores da politicagem de várzea, aquela mesmo que se locupleta do setor público há anos, esteve nos governos Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma, e agora quer tomar as rédeas de uma cruzada golpista contra a corrupção (inclua-se aí setores importantes do PSDB, quase todo o PMDB, o PP, e demais partidecos que fazem a sustentação da "governabilidade") - começam a exagerar na balbúrdia e no golpismo, a tal ponto de gerar instabilidade econômica e política a níveis mais preocupantes.

A peculiaridade deste momento é que os enraivecidos contam com um apoio unânime de uma imprensa ainda mais golpista (o encontro "secreto" entre o presidente da Câmara e o mentor direitista da Globo Merval Pereira seria um escândalo em qualquer país, menos aqui - leia aqui o delicioso relato de O Cafezinho), pelo simples fato de que esta está na hora da morte, emparedada pela mídia eletrônica e à beira da falência, vendo que logo mais o governo cortará o dinheiro público que as mantém moribundas.

É triste dizer, mas a direita arcaica e fisiológica brasileira é tão inconsequente que chegamos até a aplaudir quando os liberais saem em defesa da democracia. Que ninguém se engane, defendem seus interesses. Mas, felizmente, hoje a estabilidade democrática é mais importante para o capital do que seu oposto - o que já não foi assim, na era das ditaduras no continente, francamente apoiadas pelo empresariado. 

Acontece que o empresariado, outra parte da elite, porém comprometida mais com seus lucros do que com a frustração tucana de não ter alcançado o poder pelas urnas após 12 anos, está começando a reclamar do exagero. Para eles, estabilidade democrática (importante no cenário de negócios internacional) e ajuste fiscal (que a Dilma lhes deu com o Levy) é o que interessa. Mais do que isso, é colocar em risco a estabilidade política e, consequentemente, sua estabilidade nos negócios. Por isso, hoje se manifestaram, em nota pública da FIRJAN e da FIESP.

Algumas revistas semanais já haviam percebido isso, e mudaram o tom já na semana passada: até a Veja saiu do golpismo em texto sintomático (em que, na prática, assume que não faz jornalismo mas sim atua com intenções políticas específicas, ao anunciar que não fará mais campanha pelo impeachment), e algumas outras falam que "a crise será longa", o que pressupõe que não vislumbram mais uma "solução" radical imediata.

Mas parte da Globo (e seu grupo: CBN, Globo News, O Globo) está mais ensandecida do que nunca, e a Folha parece a seguí-la om o mesmo ímpeto. Hoje (dia 07/08), entretanto, viu-se que até mesmo na poderosa rede há divisões. Enquanto Merva e Cia continuam seu mantra golpista, editorial de O Globo e o próprio JN falam da "manipulação do Congresso que ultrapassa limites" e da "inconsequência do PSDB" (leia aqui). Será que Merval tem os dias contados? Duvido....tudo parte de, uma estratégia bem pensada de "bate e assopra": trata-se de desestabilizar ao máximo o governo, mas sem chegar às vias de fato que constrangeriam o empresariado. No fim, um único objetivo: enfraquecer Dilma e Lula ao ponto que este último não seja capaz de levar um quinto e insuportável - para a direita - mandato. Moro e sua estratégia seletiva na Lava-Jato, amparado por agentes da polícia federal que comprovadamente são antipetistas e apoiadores de Aécio (leia aqui), pode ser um grande aliado nisso, embora um tanto imprevisível.

Só que não é preciso ser muito inteligente para perceber que, na verdade, as saídas não-democráticas que se vislumbram passam pelo empoderamento de uma Câmara composta pelo pior que o país já teve em política, grande parte (bancadas inteiras) comprometidas na corrupção endêmica que o tal Moro só quer mostrar em parte (bem seletivamente): a bancada BBB (boi, bíblia e bala) e o baixo clero comandado por Cunha.

A pergunta, porém, é mais óbvia do que tudo: alguém com mais de dois neurônios acha que os que sucederiam à Dilma iriam realmente colocar o país no prumo ético e no rumo do crescimento econômico (apesar da crise internacional, na Grécia, Europa e China, sobre a qual NÃO SE NOTICIA - em mais um escândalo da atuação do nosso jornalismo com fins políticos, em que esconder os fatos internacionais ajuda no golpismo interno)?

Todos sabem que não. Aliás, parte dessa elite empresarial sabe que se tem alguém que pode manter um rumo ético é...a própria Dilma (e por isso FHC já saiu falando que ela é uma pessoa íntegra e honesta, o que é verdade), que, com a legitimidade do voto,vem combatendo a corrupção como ninguém jamais o fez, sem se contrapor nem mesmo a juízes ensandecidos como o Moro, que está jogando fora a oportunidade que teve de realmente combater a corrupção - TODA a corrupção - em nome da politicagem de várzea de feição aecistotucana (leia aqui sobre a ação de Moro).

O custo de se criar factoides (a crise econômica mais grave da história, a maior corrupção da história, o afundamento da Petrobrás) que não correspondem muito à verdade é que, no fim, isso leva a antagonismos insolúveis. Por incrível que pareça, a saída de tirar a Dilma e colocar Temer ou Cunha em seu lugar irá trazer de volta o clientelismo, a política de várzea, a corrupção endêmica, que justamente teriam sido os argumentos para....tirar Dilma do poder! A outra saída, de colocar Aécio por alguma manobra escusa, é tão, mas tão golpista e antidemocrático que as elites tucanas - que eticamente não se importariam nada em fazê-lo, não tenham dúvidas - sabem que hoje em dia isso não é mais possível. Felizmente, o Brasil já não é mais tão arcaico - e Lula tem muito a ver com isso - a ponto de que um punhado de caciques políticos da elite do Rio, SP e Minas possam decidir quem vai governar em uma reunião de gabinete.

Além do mais, é muito bonito dar exagerada importância - com plantões de notícia e tudo mais - a um panelaço que só ocorre em bairros "nobres" (o termo mais sintomático do nosso atraso urbanístico) em que Aécio teve 80% ou mais dos votos, mas alavancar o fim de um governo que teve quase 55 milhões de votos pode ser, efetivamente, muito perigoso. Não é porque a Globo manipulou descaradamente a última passeata do dia 15 - inventando 1 milhão de pessoas numa paulista com tanta gente quanto os supostos "40 mil" da marcha de apoio à Dilma no dia anterior - que isso se tornará realidade como um passe de mágica. Os insatisfeitos com o golpismo tucano-direitista (vale lembrar que o PSDB está oficialmente chamando para a próxima manifestação de rua), obviamente, em algum momento irão se mexer, e são muitos, muito além do que a imprensa quer deixar crer. E o empresariado sabe que a convulsão social é o pior negócio possível, só alimentado por irresponsáveis que colocam sues interesses politiqueiros acima de tudo.

Por isso tudo a FIESP e a FIRJAN, longe de serem próceres da esquerda ou da democracia, soltaram a nota abaixo, muito, mas muito significativa. Se não defendo a visão liberal do empresariado, tampouco me alinho aos que querem, pela esquerda, a desestabilização como forma de derrotar o PT, pois a irresponsabilidade é a mesma dos tucanos. Neste momento, a união pela salvaguarda democrática, frente à República de bananas e sua bancada BBB, é fundamental.

E é sempre bom lembrar que a tal crise econômica, que existe e está extremamente grave na Europa (vale ler o noticiário internacional soibre a Grécia, o papel da Alemanha na condução da economia européia, o recesso econômico chinês, etc.), aqui no Brasil, fez o desemprego chegar a 8%, ou seja, mais de 4% ABAIXO do que era no último dia do governo FHC (LUla e Dilma conseguiram baixá-lo a 5% há alguns anos). "Apesar da crise", ainda há uma boa margem - resultante de 10 anos de crescimento intenso, quando Lula e o PT eram bastante festejados pelos mesmos que hoje os criticam - antes de chegarmos ao nível da crise que havia em 2002. Pois é.

A FIESP e a FIRJAN, aproveitando-se do "apelo ao diálogo" feito pelo Michel Temer, dão todos os recados: citam "o grau de investimento tão duramente conquistado" (foi no governo Lula),criticam o "desenvolvimentismo" recente e manifestam (nem tudo é perfeito - mas são os empresários, lembremo-nos) o apoio ao ajuste do Levy ("o Brasil não pode se permitir mais irresponsabilidades fiscais"), defendem a estabilidade democrática ("O povo brasileiro confiou os destinos do país a seus representantes"), criticam a várzea da câmara federal ("É hora de colocar de lado ambições pessoais ou partidárias e mirar o interesse maior do Brasil. É preciso que estes representantes cumpram seu mais nobre papel"), e reiteram sua visão econômica liberal ("é preciso que o governo faça sua parte: cortando suas próprias despesas; priorizando o investimento produtivo; deixando de sacrificar a sociedade com aumentos de impostos").

De tudo isso, se concluem algumas coisas:

1. a democracia brasileira ainda é frágil, pela imaturidade política que ainda leva a sociedade a eleger um congresso como este. A subida - e o uso eleitoreiro inconsequente por parte de TODOS os grandes partidos - das igrejas evangélicas, que agora levam a obscurantismos como impedir a discussão de gênero nos planos municipais de toda ordem, o uso e empoderamento por Serra da extrema-direita nas eleições de 2010, a aceitação (de FHC a Dilma) da manutenção na frente política de figuras como Collor, Renan, Sarneys e outros,o espaço dado aos ruralistas pelo próprio governo Lula-Dilma, enfim, uma série de fatores dos mais diversos levou a que tenhamos o Congresso BBB e o montão de deputados obedientes à um tipo como Cunha. Esse Congresso saiu do controle e agora paga-se o preço.

2. o PT está mais perdido do que cachorro em tiroteio. A opção (ou única possibilidade? quem um dia saberá dizer?) do lulismo de fazer sua política SEM MUDAR A REGRA DO JOGO, de fato por algum tempo permitiu grandes avanços sociais, redistribuiu parte da renda (mesmo que de forma insuficiente), levou o desenvolvimento ao N e NE, etc., mas por outro lado criou um impasse político e um comprometimento de parte de seus quadros com os métodos mais reprováveis e mais arcaicos que o país conhece. Com ou sem Moro (se não fosse ele, outros haveriam), está pagando o preço dessa opção. A questão é saber até onde a oposição pode ir nesse caminho de misturar os erros reais com factoides construídos, só para tentar incriminar Lula em qualquer coisa que apareça.

3. Nesse cenário, parece insensato dizer mas quem se sai muito bem, tocando seu barco sem se deter muito ao cenário kafkiano que se apresenta, é a Dilma. Sabe que enfrenta a baixa cíclica da economia, que já afetou a todos, Sarney, Collor, Itamar ou FHC. Faz o que acha que deve fazer, gostemos ou não, mas com a legitimidade do mandato. O problema é até que ponto ela pode fazer isso descolando-se totalmente do Congresso, ou em que momento este conseguirá chegar ao que pretende: a desestabilização total. O movimento dos empresários, nesse sentido, é importante.

4. Aécio Neves e sua porção do tucanato são completamente inconsequentes, senão totalmente loucos. Perderam a noção do que é o bem do país e o que é seu projeto pessoal de poder. Até mesmo gente sabidamente ambiciosa, como Serra, está até certo ponto quieta. os governadores tucanos, como Alckmin ou Richa, apavorados com a instabilidade política. E alguns da extrema esquerda, como o PSTU, entraram na mesma onda de inconsequência.

Agora, é esperar para ver.

 

 

Segue abaixo a nota da FIESP e FIRJAN (leia aqui):

"A FIRJAN e a FIESP vêm a público manifestar seu apoio à proposta de união apresentada ontem pelo Vice-Presidente da República, Michel Temer. O momento é de responsabilidade, diálogo e ação para preservar a estabilidade institucional do Brasil. 

A situação política e econômica é a mais aguda dos últimos vinte anos. É vital que todas as forças políticas se convençam da necessidade de trabalhar em prol da sociedade.

O Brasil não pode se permitir mais irresponsabilidades fiscais, tributárias ou administrativas e deve agir para manter o grau de investimento tão duramente conquistado, sob pena de colocar em risco a sobrevivência de milhares e milhares de empresas e milhões de empregos.

O povo brasileiro confiou os destinos do país a seus representantes. É hora de colocar de lado ambições pessoais ou partidárias e mirar o interesse maior do Brasil. É preciso que estes representantes cumpram seu mais nobre papel – agir em nome dos que os elegeram para defender pleitos legítimos e fundados no melhor interesse da Nação.

Ao mesmo tempo, é preciso que o governo faça sua parte: cortando suas próprias despesas; priorizando o investimento produtivo; deixando de sacrificar a sociedade com aumentos de impostos.

É fundamental ainda apoiar todas as iniciativas de combate à corrupção e punir exemplarmente todos os desvios devidamente comprovados.

É nesse sentido que a indústria brasileira se associa ao apelo de união para que o bom senso, o equilíbrio e o espírito público prevaleçam no Brasil".